acasadana

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Vivemos tempos difíceis. Se lhe desse cor seria um cinzento chumbo, resultante de uma amálgama policromática em que me é impossível distinguir um tom que se destaque. A “economia de casino” que tomou conta dos destinos do mundo desde a queda das ideologias, estilhaçou todos os valores que uma colectividade pode abraçar na busca da felicidade dos seus membros.
Assim, é me muito difícil determinar qual o lugar em que me gostaria de encontrar, neste mundo. Deus morreu, já nos dizia Nietzsche e, antes dele, muito antes, os Deuses todos.
Os Deuses viviam no som da nossa voz, na oralidade dos contos e lendas que se tecem e entretecem em segredos, ditos ao ouvido, repetidos vezes sem conta, sempre de maneira diferente, criando uma malha afectiva e mágica que, em tempos idos, servia de rede de suporte ao colectivo.
Hoje, os Deuses, remetidos ao silêncio, são testemunhas mudas da agonia do tempo em que a nostalgia da tragédia é já uma reminiscência do frémito de viver. Parece-me que, neste nosso tempo, a vida é um lugar distante, dando lugar à sobrevivência. Não sei se não foi sempre assim; primeiro foi o fogo, e lembra-te que foram os Deuses que revelaram o seu poder ao homem, de seguida o ouro, e agora o ouro negro. Sobrevive-se à beira do abismo, dia após dia, noite após noite. Contudo, “quando se olha longamente para um abismo o abismo olha também para nós” (Nietzsche).
E por isso escolhi. Escolhi não olhar para o abismo. Escolhi não me misturar com ele no reflexo do meu olhar. No entanto, o meu olhar é perscrutador e ávido, pode trair-me a qualquer momento, trair as saudades do futuro que não sei se algum dia chegará a ser presente.
E por isso encarreguei-me a mim própria de alimentar o meu olhar. Procuro fazê-lo o mais criteriosamente possível, mantendo a alma viva, muitas vezes a pão e água, lembrando o amigo Séneca (Carta sobre a felicidade / Da vida feliz), para não a fazer tremer ante a sede de qualquer outra coisa que a vida, neste nosso tempo, não tenha para lhe dar.
Mas, às vezes, em que a virtude já se corrompeu, juntamente com a inocência, a poesia é escassa, só mesmo o vinho, de preferência tinto, da colheita Baudelaire, de 1869. Humm…..

1 Comments:

Blogger Odracir said...

Assim fala a deusa:

«Tens de aprender tudo

o coração, bela esfera, que não receie a Verdade

e a opinião dos mortais, onde não existe verdadeira certeza.

Mas também aprenderás que as aparências

devem gloriosamente afirmar-se passando por tudo através de tudo»

12:39 da manhã  

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